capítulo 3
Na academia, o telefone celular tocou. Era a melhor amiga acabando de sair do trabalho, Duda já sabia. Ligava sempre nesse horário. Roberta, além de ter um grande carinho por Duda, possuía uma curiosidade incorrigível...e pontual.
- Ro...bert...ta..eu estou cor..rendo...na estei..ra... - disse Duda. Sua voz falhava a cada vez que ela pisava na esteira.
- Ai, Duda, desculpa. - respondeu a amiga. Na verdade, se ela estivesse realmente arrependida, ligaria numa hora melhor. Mas isso não aconteceu. - Mas é que eu queria saber onde você estava ontem à noite. Você desligou o celular de novo, porra Duda! Eu ia te chamar para sair! Quinta-feira! Balada black!
Duda detestava black music. Não completamente, ela adorava ouvir blues e tinha pelo menos uns dez CD's de R&B. Era da black music chamada "original" que ela não gostava. Era uma certa raiva (completamente sem fundamento) de ver o preconceito das pessoas de não chamar rap ou R&B de black music. Rap era rap. R&B era pop. São gêneros que possuem a mesma raiz, mais certo do que nossa descendência do macaco. E o "público black", cheios de amor pelo preto, dizem em outras palavras, que o preto que vem do preto não é preto. Engraçado como a maioria dos brancos pensa assim, todos eles adoram black music. Viva James Brown, Billy Paul, Jorge Ben. Matem Snopp Doggy Dog.
- Eu fui para outro lugar ontem, você não conhece - Duda explicou, sem querer entrar em detalhes.
- Você não saiu com o Pablo ontem né? - insistia Roberta. - Ele me disse que também não conseguiu falar com você.
- Você ligou para o Pablo, Roberta? - desconfiou Duda, e terminou sua série na esteira.
- Não. Ele me ligou para mim. Para saber onde você estava.
Ops.
- Ele achou que eu estava com você, por isso ligou?
- Lógico, eu também achei que você estaria, né, Duda? Afinal, onde é que você se meteu ontem?
Duda não queria explicar. Por que ela tinha que ficar dando satisfações, afinal? Foi aí que percebeu que só não tinha o costume de dar sua agenda diária para Roberta, como fazia questão que a amiga fizesse o mesmo. De qualquer maneira, resolveu não falar nada. Não até ela entender o que realmente havia acontecido.
- Olha Roberta, não dá pra falar agora, eu estou no meio da academia, entrando na aula. Eu te ligo depois.
- ...Duda?
- O que foi? - impaciente.
- O que está acontecendo com você, Du? Vamos comer pizza hoje, juntas. Faz tempo que a gente não conversa. Eu estou precisando falar com você.
Duda se acalmou.
- Ai, Rô, desculpa. É que eu estou preocupada com um monte de coisas, tem essa história do Pablo, você sabe que a gente não tá muito bem. Mas vamos sim, vamos comer pizza hoje na sua casa, tudo bem?
- Ok! Ok! - Roberta mal falava de tão eufórica. Quase dava para ver ela abanando o rabo. - Eu preparo tudo, viu? Você quer vinho? Ai, eu tomei um vinho esses dias que é uma delícia!
- Hum, não Rô, vinho não. Meu fígado vai chorar se eu tomar vinho hoje. Me liga mais tarde, ok?
duda desligou, rindo orgulhosa da amiga que tinha. Roberta sempre alerta, sempre mãe, sempre namorada. Era a certeza personificada de que ela nunca estaria sozinha.
Olhou para o lado de fora da academia e por trás da enorme e elegante parede de vidro o sol novamente se punha. Mais uma vez, mais um pôr-do-sol.
o celular toca novamente. Será possível?
- Quem é? - perguntou áspera, o número no olho mágico era desconhecido.
- Duda? É a Gil. Liguei pra saber se você dormiu bem.
Duda fechou os olhos, sorriu novamente, tomou uma decisão.
"Aqui é a Roberta. Na verdade, é só a gravação da voz dela. Deixe seu recado após o bip que assim que puder ela te liga!"
- Roberta, sou eu, Duda. Me desculpa, não vai dar para comer pizza com você hoje. Era despedida da minha professora da academia, eu tive que ir. Mil desculpas. A gente se fala amanhã. Tchau!
beeep!
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