09 October 2002

me lembra você


Em meio a um jantar, diante de tantos talheres e garçons de utilidade apenas estética, envolta de uma conversa sobre nada, que ecoava longe na minha cabeça, ouvindo ao longe risadas que davam ao meu lado. Aquelas risadas de gente rica, que é obrigada a ser feliz e normal, então ri higienicamente para provar para si mesmo que a felicidade está presente no marido que a manda calar a boca e na cunhada que compensa um adultério com uma nova prótese e botox. Em meio aos planos do filhinho mais velho, de viver para jogar tênis, e o do meio, um típico comunista de sobrenome, que veste uma túnica rasgada e velha de posivelmente 2 dólares que comprou durante sua viagem pela turquia. Diante da irmã, que mal se mexe nem para comer o seu pobre franguinho grelhado, sem direito ao petit gateau, ordem da mãe que considera os braços gordos da filha deselegantes demais.
Aqui estou eu. Bem-vestida, banho tomado, bem-portada à mesa, gostaria de uma salada com molho de manga, por favor. Sorindo um sorriso deliciosamente sacástico para todos ao meu redor, que fingem que não sabem que eu estou fingindo que não sei que eles fingem o tempo todo.
Ao longe na minha mente, minhas atenções distantes ao ambiente físico, às conversas e até mesmo aos olhares despudorados do tio cinquentão, que quase me onfendiam por serem despercebidos e portanto permitidos. Eu não estava lá. Ninguém estava lá. Ao longe, vi Marisa Monte ao lado de minha infância, rinda daquela situação toda, apresentando-me uma verdade que estava lá o tempo todo, durante anos, e que nunca havia me chamado a atenção até eu perceber, toda a explicação daquela raiva que eu sentia, que era uma repulsa anti-higiência, anti-hipocrática, de não querer fazer parte daquele mundo. Tudo estava em uma simples melodia, sem rima, sem prepotência de poesia, porém altamente expressiva. Eis:

Eu não sou da sua rua.
Eu não sou o seu vizinho
Eu moro muito longe sozinho
Estou aqui de passagem.

Eu não sou da sua rua.
Eu não falo sua língua
Minha vida é diferente da sua
Estou aqui de passagem
Esse mundo não é meu
Esse mundo não é seu.

No comments: