Fase 2: A Meiose e a primeira fase corporativa.
Eu sigo lendo seu livro. Quanto mais eu avanço, mais eu me identifico com o babaca corporativo gordo e míope que lê cada capítulo e não sabe muito bem se ri ou fica sem-graça de se ler tão cruelmente, se vendo em um espelho que ele tentou com todas as forças virar. Só que a diferença é que eu não sou gorda (isso é o mais importante, nem tudo está perdido) e não estou vestindo essa camisa azul-empresa há tanto tempo assim, nem estou em uma grande empresa, nem nunca li nenhum livro de auto-ajuda corporativo, os quais vc ridiculariza, e com razão. Mas também nem precisava. Eu sigo sem almoçar direito, trabalhando demais e com a sensação de que eu estou sempre atrasada, meus deadlines continuam a crescer ao longo do dia. Sonho com o trabalho, penso tudo em rendimentos e em porcentagem (até no meu namoro, quanto eu estou rendendo para ganhar no fim do mês). A impressão no final do dia é sempre a mesma: o que diabos eu estou fazendo metida com RH e departamento financeiro? POR QUE EU NÃO ME TORNEI UMA BAILARINA? CADE A MINHA SAIA DE TUTU? Eu olho pra mim mesma quando pequena. A Gegé, com 9 anos, um alongamento perfeito, parte principal no espetáculo e muitas medalhas no pescoço e no boletim, e não consigo dizer nada pra ela. Ela me olha e me estranha: o que vc está fazendo na frente dessas planilhas? Eu não consigo responder a ela sem gaguejar.
Ok. Não é que eu não queira ser ainda bailarina. Mas eu não consigo ainda visualizar ao certo o que está acontecendo. Eu não preciso de nada disso. Não preciso me estressar por uma empresa que não é minha, fazer coisas que eu não gosto e não entendo nem um pouco, me esforçar e sacrificar minha vida, minhas paixões e meu almoço por algo que não sei onde vai me levar. Por que não largar isso tudo, é o que vc me perguntaria, certo? Porra, pq eu não deixo isso tudo e toco o foda-se? A resposta é simples, meu caro guru: porque eu acho que é covardia. Estou fazendo exatamente o que eu sempre odiei e tentei fugir durante toda a minha vida: trabalhando com números, taxas, impostos, controles disso e daquilo e planilhas intermináveis. E é justamente por isso que eu acho que isso tem que acontecer e tem que ser agora. Tudo até hoje pra mim sempre foi assim. Quanto mais eu fujo de alguma coisa, ela volta, se coloca na minha frente e diz: e aí? Vai encarar? E eu não consigo dizer ?foda-se? pra isso. É um desafio como qualquer outro. Um desafio que, mais uma vez, eu me coloco pra enfrentar.
Não se preocupe que não estou lendo nada sobre mercado ou bolsa de valores. Tampouco estou me iludindo, achando que isso é o que eu devo fazer para o resto da minha vida, como quase acreditei quando trabalhei com publicidade. Eu estou, como disse pra vc há poucos dias atrás, jogando vídeo-game. A primeira fase foi difícil, tive um trilhão de obstáculos, mas era a primeira fase apenas, no modo ?easy? ainda por cima. O chefão da fase vc me ajudou como ninguém a atravessar. Vc foi a pessoa que esclareceu o ambiente onde eu estava, e como eu poderia quebrar certas regras (afinal, são regras pré-formatadas de um sistema programado, que a qualquer momento pode ser alterado a meu favor) e me aproveitar do que estava ao meu redor. É sempre assim: em qualquer jogo de vídeo-game, se vc experimenta sair do roteiro pré-estabelecido, acaba acumulando mais pontos, descobrindo passagens inéditas e chegando com muito mais força no final. E enfim, passei.
Mas agora eu resolvi, numa estragégia mais joselística impossível, mudar do modo ?easy? para o ?hard? de uma vez só. Só pra ver até onde eu poderia ir. Eu sempre faço isso. E na vida real tb fiz. E está muito muito muito difícil. Só que agora não tem mais graça colocar no modo easy de novo, e não tem gente que só joga no modo hard, uai? Então.
É que eu não consigo levar a vida fácil. Eu não sei ?juntar uma grana?, que não importa de onde veio, mas não do meu bolso, pra fazer o que eu quero. Eu optei por essa vida, certo? E eu ainda não perdi o foco de onde eu quero chegar. E como vc sempre gosta de repetir, eu ainda sou muito nova. Mas daqui a pouco não vou ficar mais. Ainda nova para conseguir realizar meus sonhos profissionais, isso com certeza. Mas e o resto? Eu me vejo hoje sem pique pra fazer mais nada, e não quero me tornar uma ?senhora? de quarenta anos tentando rebuscar o que foi perdido na sua juventude, desde pele lisa até calça jeans desfiada.
Mas eu vejo meus amigos. Uns estão nesse rumo meio torto há muito tempo e já se perderam, vão ficar jogando no ?pratice? a vida toda. E outros, que estão numa fase um pouco mais avançada, seguem numa toada tranqüila. Fazem seu trabalho, que nem sempre é prazeiroso, mas não esquecem (para o seu alívio) da vida fora da empresa. Estes conseguiram atingir sua meiose. Alcançaram uma fase reducional que os divide em dois, que são independentes mas vêm do mesmo lugar. Sabem que a vida não é só o trabalho. Isso é apenas um meio de ganhar grana para aproveitar o resto. E ponto. Convivem bem com essa fórmula. O sonho dessa pessoas por muitas vezes sofrem uma mitose a partir disso e conseguem se realizar. Eu é que não estou conseguindo resolver a minha biologia. Que é, claro, uma matéria que eu também nunca dominei.
Sei que preciso ter paciência. Eu preciso ter paciência. Mas ver meus iguais lá fora, já desfruando dos seus sonhos de uma maneira tão menos desburocratizada é terrível. Aí que eu fico achando que não é que eu sou sistemática: eu sou é burra, que não consigo resolver essas fórmulas rápido. Enquanto eu estou aqui lendo o manual de instruções desse jogo maldito, tem gente que já conseguiu, quase que por acaso, pular um monte de fases e chegar no final. Tem graça? Não sei. Tem gente que nem tem condições de jogar? Tem. Mas eu estou aqui no meio termo, com um joystick na mão de mil botões que eu mal sei pra que usar. Conseguirá Gegé escapar do terrível monstro da Contabilidade? Conseguirá finalmente esta aspirante a rata de escritório pular o grande muro de relatórios e vencer a hora extra? Conseguirá ouvir no final sua musiquinha especial e ver seu chefão derotado?
To pagando pra ver.
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