somewhere under the rainbow
Estava a caminho de Oscar Bressane. Cidade perto de Vera Cruz, província de Marília, interior de São Paulo. A estrada era linda e típica da região: plana, aberta, verde, como em uma embalagem de leite tipo A. O pasto cercado na beira da estrada com madeira baixa, salpicado de algumas vaquinhas ao longe. Ensolarada pelas 3 e meia da tarde.
Eu tinha 10 anos.
Na frente, minha mãe no banco de passageiros. Dirigindo o Beto, o então namorado dela (que depois de 3 meses se tornaria ex) Iam calados. Minha irmã caçula, aos 6 anos, estava do meu lado no banco de trás. Deveria estar inquieta, berrando ou chorando, mas não é assim que eu me lembro. Esse momento me é totalmente mudo.
Minha janela estava um pouco aberta, entrava um ventinho morno, só para dar uma impressãozinha de viagem longa. O sol estava do meu lado, por isso talvez eu tenha demorado mais para ver. Não chovia.
No entanto, passávamos por um trecho molhado da estrada. E antes que pudéssemos processar a idéia de chuva com sol, diante de nós surgiu a resposta: um arco-íris enorme, como eu nunca mais vi, com todas as cores nítidas, todo o seu arco completo. Um portal despontando em nossa direção, dando boas vindas ao mundo.
Minha mãe quis parar, tirar foto, contemplá-lo de fora do carro. Eu, no auge da minha pré-adolescência, já esboçava um mau-humor egoísta. Por mim, continuava andando, em direção ao meu arco-íris, pois assim só eu o contemplaria, sozinha, só meu. Por isso fui a única a não descer do carro. E antes que meu bico fizesse a volta completa, minha mãe desistiu e voltamos a andar.
Ao contrário do que se acontece, a medida que nos aproximávamos o arco-íris não sumia. Abria-se ainda mais sobre nossas cabeças, certamente nos engoliria. Passado mais um momento ninguém mais o olhava, a atenção voltava para as vacas. Só eu fiquei na expectativa de ver o quão perto dele chegaríamos. Com o coração na mão, ansiosa e silenciosa pelo momento, o fitava com os olhos cada vez mais altos, até que o atravessei. Na passagem não o enxerguei, só voltei a vê-lo já atrás de mim. Passei. Passei debaixo do arco-íris! E agora, que será que vai me acontecer de especial? Qual o encantado destino que me espera?
Perdida em expectativas e sonhos nem vi quando chegamos na fazenda, onde nos aguardavam os amigos do Beto. Perguntas de como foi a viagem, surgiu o assunto arco-íris. Passaram debaixo dele? Mantive minha façanha em segredo. Sim, só eu passei!, pensava. “Olha lá, cuidado com essa história hein?”, alguém alertou.
Aí eu me intriguei. Como assim, cuidado? Não era um momento encantado, sagrado, único?
- Ô, Gegé, você não sabe que quem passa debaixo do arco-íris, se é menina vira menino e se é menino vira menina?
Aquela nova informação por algum motivo não me aterrorizou. Pelo resultado que obtive, não faria a menor diferença depois. Pelo contrário, eu teria algo a mais para poder me divertir: agora podia brincar como menino ou como menina, como eu bem quisesse. Simplesmente não teria mais que me preocupar em agir como um ou outro. O arco-íris havia me dado essa liberdade.
Exatos 12 anos depois, concluí que eu não estava errada.