10 October 2005

Chico,

Eu tenho lido seu livro. Budapeste é silencioso e sereno, mas não menos intenso. É gostoso te reconhecer na leitura, você tentando botar poesia em mesa de cabeceira, vc é o único que pode falar de cabelos molhados e roçar da língua atrás da orelha sem soar como o Wando. Falando nisso, a mulher do personagem chama-se Vanda, era destes cabelos molhados que eu falava, na verdade era você, na verdade era José Costa.
Um texto assim corrido que eu tive que começar a ler pela segunda vez pra entender que ele ia seguir assim, lotado de vírgulas, até o final. Sem pausas, porque o pensamento não tem pontuação. Por isso acho um livro silencioso. É um livro pra se ler quieto, desligado, é um coma. Não é? Budapeste é o desejo de sair de um coma de uma rotina. Mas não simplesmente da rotina trabalho-mulher-Rio. É a rotina gramatical. É chegar a algum lugar onde não se entende onde começa e termina qualquer palavra. Talvez sua Budapeste é minha Tokyo, esse japonês que eu ridiculamente teimo em dizer que sei, e repito tudo errado o que eu ouço, me esforço pra pensar ao contário, em oriental. Desapego da lógica literária. Gosto muito disso também, deveria ter feito Letras. Como Costa.
Talvez devesse ir para Osaka ou Tokyo, como ele foi, porque até onde eu sei, ele simplesmente pegou e foi, sem mais, nem menos. Budapeste se fez mais próxima do que a Barra da Tijuca. As vezes eu me pego confessando coisas a mim mesma em outra língua. É um hábito desde pequena, quando eu não entendia, inglês eu inventava um inglês meu, mas não era como um português com sotaque tio-sam, era uma palavra nova, que soasse como inglês, que só eu poderia entender. Mas que não poderia ser revelado aos meus ouvidos. Era minha budapeste interna, nada a ver com a América de fora. Hoje ainda não sei desabafar nem contar minhas fantasias a mim mesma em japonês. Não porque não me arrisco em inventar kanjis, mas porque ainda não sei como eu sofro em japonês.

Ontem eu sofri, como raras vezes, em português. Disse a mim mesma que não aguentava mais, como tanta gente faz, eu quis ser um número, eu não quis estar sozinha calada como seu Costa, ser só um José, eu sinto saudade como qualquer um sentiria no meu lugar, eu sofro como tantos, eu chorei como há muito tempo, chorei todo o meu português.
Amanhã o sangrarei, como todo mês.

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