14 March 2005

Eu sempre quis saber como é fazer um conto como aqueles tipo "Sabrina" ou "Julia", aqueles contos semi-eróticos que vende em banca de jornal, com aquelas ilustrações de Catuaba Selvagem na capa. "E então Sabrina pode vislumbrar seu peito largo e moreno..."
É, um tanto nojento, a considerar que todos os "peitos largos" e "membros eretos" eram fantasiados com um considerável tufo de pêlos.
Resolvi fazer uma versão mais moderna, usando duas personagens femininas e semi-fictíceas.
Pode ser ainda repulsivo para alguns, mas vá lá,
pelo menos a quantidade de pêlos diminuiu.


Pietra Di Giorno.

Rita só queria sair dali, depressa. Fechou a porta, entrou no elevador e só então pode ver o estado em que se encontrava. Mesmo que gostasse de Pietra, não teria ficado só por causa de seu estado. Ela até pensou em voltar atrás e ligar, apenas para dizer que tinha gostado de estar ali por algum tempo. Mas, involuntariamente pensou que seria o pior a fazer. Satisfeita com sua sábia decisão, Rita relembrava.


Abriu os olhos num quarto na penumbra, quase claro por causa da luz do dia, mesmo com as janelas fechadas. Já devia passar das três da tarde. Virou de lado para ver seu relógio quando alguma coisa atrás dela espreguiçou-se. Sentiu peitos roçarem suas costas. Era uma mulher. Não estava lá o seu relógio, o quarto não era dela. Olhou ao redor e nada parecia familiar.

- Já acordou? - disse a outra voz feminina, rouca de sono. Disfarçando seu total pânico, Rita sorriu, virou-se de frente pra ela e disse: Estou com um pouco de frio. Abraçou-a e novamente, fizeram amor. Rita ainda sem entender onde estava e como tinha ido parar ali, acariciou-a e beijou-a como se fossem namoradas. Mas quis ir rápido. Quando acabou, levantou-se, estava muito tonta. O que teria feito? O que teria bebido? Onde foram parar suas amigas? E principalmente: qual era o nome da garota que ela tinha acabado de comer?

Sem dar explicações levantou-se para ir ao banheiro. Um varal de fotos de festas e viagens à praia atravessavam a parte superior do espelho, com dizeres e letras que formavam um nome: Pietra. Sim, era um nome estranho, parecia estrangeiro, ela lembrava-se vagamente de ter pensado nisso na noite anterior, parecia nome de algo inanimado, pedra, menina-pedra, menina que não sentia nada, que na verdade era ela. O espelho refletia o seu corpo ainda alinhado, ao contrário dos cabelos. Os olhos vermelhos por causa da bebedeira, um tanto arrependidos. Cheirou-se, e só podia sentir o cheiro de Pietra de alguns minutos atrás. Riu, para tentar espairecer da situação insana em que se encontrava, e assim saiu do banheiro. Olhou para ela ainda na cama, com metade de seu corpo despido e descoberto, Pietra cochilava.

- Preciso ir, tenho que ir embora, gata, disse baixinho, mas dessa vez não conseguiu esconder que estava aflita. - O que foi, Rita? Por favor, fica aqui comigo, minhas amigas não acordaram ainda, elas te levam embora... Segurava nos braços de Rita, buscando ainda um carinho, um olhar quase apaixonado de mulher quando acorda acompanhada. E Rita só conseguia repetir "Tenho que ir, tenho que ir", disse qualquer baboseira pra tentar com muito esforço encontrar suas roupas, fétidas de cigarro e sujas como se tivesse vomitado nela mesma.

- O que houve aqui? - perguntou, mostrando a blusa branca manchada de pedaços de alguma coisa roxa. - Ué, você não se lembra?, estranhou Pietra. - Minha amiga estava do seu lado no carro quando vínhamos pra cá e parou para vomitar. Vc a ajudou. Vc foi muito fofa, todas te adoraram. Rita invadia-se de interrogações e uma indignação: isso é dia de ajudar gente desconhecida? Justo quando se está com a blusa novinha e branca? Pensou na sua mãe, a mataria quando visse. Mas talvez ela se mataria antes. E Rita era só sorrisos nervosos, querendo logo esconder seus dentes que rangiam e queriam se ocupar de outra coisa.

Rita fez-se relaxada, largou a blusa e afundou-se entre as pernas de Pietra novamente, sem entender por que estava fazendo aquilo. O quarto ficava cada vez mais quente por causa do sol, o dia lá fora gritava por ela e Pietra, apesar de estranhar a reação da amante, preferiu pensar que era apenas nervosismo pela beleza dela e pelo calor da situação. "Devemos estar nos apaixonando", pensou Pietra. "Devemos imediatamente parar com essa história de beber", lamentava-se Rita. Mas Rita continuou. Gostava de sentir em seu poder a delicadeza daqueles suspiros e secreções, as mãos finas a puxarem seu cabelo com força, a súplica pelo que, naquela hora, só Rita poderia oferecer.

A força era tanta que Rita já começava a enjoar, levantou-se e correu novamente pro banheiro de varais fotográficos, esperando vomitar. Ao invés disso, lavou o rosto e finalmente, encontrou sua calcinha jogada no canto. Estava tudo bem. Colocou a calça, o tênis, saiu novamente e fez sinal para que Pietra soubesse que estava tudo bem, mas logo tratou de colocar o resto da roupa antes que ela entendesse que iria continuar com aquilo. - Onde está minha bolsa? - continuou. - Você não trouxe. - Pietra era agora séria e preocupada. - Você vai fazer o que eu estou pensando, não vai?? Vai fazer o que todo mundo faz, vem, me come só pra sair por aí dizendo "eu comi a Pietra", não é isso? Vc veio aqui pra isso não foi?

Rita parou. Quem diabos era Pietra, afinal? Estaria ela com o gosto na boca de alguma boceta azul? Ao invés de desdenhar e cuspir no prato que acabara de comer, Rita aproximou-se eu beijou-lhe a bochecha de maneira quase que infantil, pois pensou, a situação era tão ridícula que pedia. - É claro que não. Nos veremos ainda essa semana, eu te prometo. - Fica comigo agora - choramingava Pietra. Em um movimento só Rita perdeu a paciência e quase tropeçando já saia do quarto, aflita para chegar à porta onde havia entrado, se ela ao menos disto se recordasse.

- Não quer comer nada? - Pietra pôs-se anfitriã. - Não obrigada, estou satisfeita. - disse, não quis perder a piada. E ela mesma puxou Pietra para a porta, para abri-la. Esta apenas olhava e posava-se atraente e desprotegida. Não que Rita não estivesse gostando de ser ver na posição de ativa, mas isso era demais.

- Não vai nem pegar meu telefone?
- Ah, é, claro. Como se escreve Piera mesmo?
- Com T. Vc se esqueceu do T.
- É que eu estou acostumada sem o T - disse Rita de qualquer jeito. Foi tudo o que conseguiu pensar.

Anotando o telefone atrás de um rótulo de cerveja que estava jogado, Rita dobrou com pressa o pedaço de papel, deu um beijo rápido, quando Pietra a puxou novamente, querendo mais do que uma batida de lábios nos seus. Em vão. Rita só queria sair dali, depressa. Fechou a porta, entrou no elevador e só então pode ver o estado em que se encontrava. Virou de costas para o espelho e passou reto pelo porteiro. "Sim, eu comi aquela inquilina gostosa noite passada. Por favor, esteja acostumado a isso", pensava. Porque ela mesma não estava, com seus 19 anos recém feitos e os pais a sua espera, provavelmente para o almoço, provavelmente impacientes.

Quando entrou no ônibus que passou em frente à casa de Pietra, chegou a pensar que o cobrador também poderia saber. Que ela, a mortal Rita, era apenas mais uma vítima da famosa e melancólica Pietra, de espelhos decorados e amigas de estômago fraco. E quanto mais o ônibus se distanciava, Rita sentia-se mais aliviada, um pouco orgulhosa e um pouco estranha. Por algumas horas ela pode sentir a mesma repulsa, prepotência e medo do outro lado, que tanto ela mesma outrora constestava. E pode dar adeus a todas as vezes que tentou, de forma tão patética quanto a de Pietra, conquistar alguém que só queria uma ou duas horas de total desapego. Livre de culpa, livre de receios, livre de compromisso, livre.

Rita tinha acabado de experimentar uma mulher com um paladar masculino.
E a caminho de casa já se salivava com a infinidade de petiscos e baquetes que viriam a encher seu estômago.

1 comment:

Nalu said...

narrativa excelente.
quando sai o proximo capitulo?