01 March 2002

Pós Posts - a trilogia do blog além-vida


Episódio I - "O Dia Do Juízo" (Algum dia isso tinha que acontecer)


Finalmente o dia havia chegado pra Bia, Jorge e eu nos depararmos frente a frente com o Divino. A morte já tinha se apresentado, e sinceramente eu achei ela meio estranha, Beatriz também, mas não falamos nada. Foi o Jorge que soltou:
- Viu, fofa, o Madame Satã fica pro outro lado...
Segundos depois estávamos no céu.
Era o último veneno que escorria de nossas bocas. Ou pelo menos era o que todos pensavam.
Na fila pra entrar, tínhamos medo. Não havia ninguém conhecido. Até nos depararmos com o Renatão, um conhecido de infância da Bia:
- Ah, não falei? Eu tinha que encontrar alguém de São Roque, senão não morria direito!
Fila do céu é igual à balada boy, já descrito por mim em vida: vc vai encontrar alguém conhecido, provavelmente alguém que vc não queria. Balada ou não, lá estava Renatão. Havia salvo sua filha de um afogamento mas não se salvou. Beatriz fingiu que não o conhecia, vai que ele começava a falar o que ela fazia com ele na escola. Ele então passou. Direto.
Chegava a nossa vez. Jorge desabafou:
- Gente, graças a Deus, isso aqui tava parecendo a Lôca de domingo, esse bando de gente!!
Mal dávamos o próximo passo para a eternidade, fomos parados.
- Á, á, peraí, pode parar, pode ir parando vcs três! - A voz era grave e pesada como a da feiticeira - Vc pensam que tão indo pra onde?
- Ué, São Pedro, a gente tá indo descansar em paz, passar no chill-out Divino, entendeu? - Jorge tentava explicar.
- COMO ASSSSSIMMM??? São Pedro? Descansar? Divino? A gente morreu?
Finalmente eu havia entendido a piada. Antes tarde (muito tarde) do que nunca.
- Vcs achavam realmente que vinham pra cá? Pode ir dando meia-volta, deste portão só passarão os escolhidos.
- Ah é, então, Deus além de brasileiro, é paulista e boy! Tratou logo de fazer sala VIP, cochichei.
- É, tipo, ninguém Deus. E Bia, levanta daí!
Bia ajoelhava-se diante do santo.Tagarelava e revirava seus longos cílios.
- Não, mas eu sei que tem um tio meu aí, o senhor entra lá e fala com ele, fala que é a filha mais velha da Ivone que está aqui, ele explica pro senhor e depois na hora que o meu outro tio subir ele acerta o que eu tô devendo...
- E eu lá tenho cara de "brimo" pra ficar fazendo negócio com vcs? Vai, ó, tem um ônibus ali atrás, é pra lá que vcs tem de ir.
Não havia outro jeito. No céu a gente não entrava. Olhei para São Pedro, com o coração partido:
- O senhor me enganou. O senhor e o Senhor.
E então, por detrás daquelas longas barbas surge um sorriso que murmura:
- Não fica assim, sua boba. Vc sabe que todo mundo acaba entrando aqui depois.
Por um momento, fiquei olhando para aquele rosto. Claro, eu não tinha entendido o que ele quis dizer.
- Vai, Gegé, não precisa entender agora - disse ele, sem eu dizer uma só palavra. Só não conte a eles o que eu te falei.
Então, fui e direção ao ônibus e a medida que me aproximava dele, sentia cada vez mais calor. Comecei a sentir uma dor nas costas absurda, mas ainda consegui correr pra alcançar os outros dois. Enquanto entrava naquele fétido veículo (que tocava "Candle in The Wind" do Elton John, de fundo) ainda me perdia em pensamentos:
- mas...eu...acaba voltando,...mas...como... assim... ... oi?

continua>>>>

No comments: