08 April 2002

Confissões


- Padre?
- Estou aqui, meu filho.
- Padre, eu vim me confessar...
- Pode falar, Guilherme...
- Como é que o senhor sabia que era eu, padre?
- É que só você me faz essas observações idiotas...é claro que vc veio se confessar, jogar damas é que não era...
- Poxa, padre, pega leve aí, o negócio é sério...
- Sim, eu imagino...o que você tem para acertar com Deus, Guilherme?
- Padre, o senhor sabe que eu sempre fui um menino direito, nunca matei ninguém, nunca brigo com meus pais, nunca usei drogas...
- ahrrran - ahrran!
- Ah, padre, maconha não é droga, né?
- Quem foi que te falou isso?
- O coroinha da igreja, o Pedro. Foi quando eu descobri um pé de maconha dentro da sacristia.
- Tá, tá. Continua.
- Eu sempre levei uma vida normal, padre, o senhor sabe. Mas na sexta-feira, meus amigos tiveram a idéia de fazer algo diferente.
O senhor sabe que sexta-feira é sagrado, né, padre? Que nem Domingo é pro senhor. É dia pra descontrair.
- É, mas eu não tomo cerveja.
- Aí é problema do senhor, padre. A gente toma muita cerveja na sexta-feira, e sempre a gente vai pra Vila Madalena, aqui atrás de Pinheiros, sabe? A gente gosta de ouvir um reggae, uma surf music, um hardcorezinho de vez em quando...Mas dessa vez a gente queria tomar cerveja em outro lugar. A gente queria um outro sabor. Fomos tomar cerveja na Lôca.
- Aonde?
- Na Lôca, padre. É uma boate gay que fica lá no centro.
- E que cerveja que vende lá?
- É Keiser, padre.
- Keiser??? Vinte e nove Ave-Marias e quarenta Pai-Nossos!!!!
- Peraí, padre, calma, ainda não foi esse o pecado!
- E você chama isso do quê?? De bênção?
- Ah, era o que tinha, né, padre? Eu e meus amigos, a gente toma qualquer coisa que tenha álcool...
- E depois reclamam do vinho da minha missa...Francamente.
- Mas o pior do lugar ainda estava por vir, padre. O senhor não pode imaginar como é lá dentro. O lugar parece uma caverna, meus amigos acharam que a gente não ia sair vivo de lá.
- Por que? Tinha algum bicho querendo comer vcs lá dentro?
- Bicho não, mas bicha tinha, padre. E elas estavam bem famintas. Mas a gente não é bobo, nem nada, loco sacou um jeito de ficar na boa. Chegava algum traveco perto, eu já grudava no Azeitona e gente falava que tava ficando!
- Hum...típico...
- Até que eu fiquei sozinho uma hora e fiquei morrendo de medo. Não tinha nehuma menina pra olhar, padre. Vai que eu puxava conversa com uma e tomava um tabefe da namorada dela? Aí, eu fiquei bem quetinho, encostado em uma viga perto do bar, pra resguardar a retaguarda, né, o senhor sabe...
- Na verdade, não, não sei.
- É, é verdade, mas eu sei como é que as coisas funcionavam lá dentro. E fiquei bem quetinho vendo se os caras passavam. Quando eu olhei pro lado, do meu lado, padre, eu vi uma visão, uma visão divina, uma dádiva que os anjos mandaram para os homens da Terra!
- Meu Deus! Jesus Cristo apareceu em uma boate gay???
- Não, padre, Deus me livre de ver uma coisa dessas!
- Mas o que diabos (ops!) era então, meu filho?
- Eram duas morenas maravilhosas se beijando, padre!
- Se beijando? E onde é estava o juízo dessas meninas, Senhor?
- Ah, eu não sei, mas ainda bem que ele não tava lá, padre. E eu fiquei olhando aquilo, quase babando em cima delas, até que uma hora eu não aguentei. Tive que falar, padre, tive que pedir par entrar no meio, mesmo sabendo que ese tipo de coisa nunca acontece com caras como eu.
- Por que será....
- E eu pedi. Olhaie pra elas, disse que estava morrendo de tesão, quer dizer, perdão, de vontade de beijá-las também e é claro que elas recusaram. E se beijaram novamente. Eu fiquei ali, padre, parado, pelo menos olhar eu podia. Até que uma das morenas cochichou alguma coisa com a outra. Imediatamente elas me olharam. Padre, eu nunca senti tanto medo na minha vida.
- Elas queriam te usar para o mal?
- Exatamente! Mas eu não sabia que o mal poderia ser tão gostoso!
- "Há mais segredos entre o céu e a Terra do que se pode imaginar..."
- Quando eu me dei por mim, padre, lá estava eu, agrarrando as duas, beijando e sendo beijado por elas, eu era o rei do mundo, eu simplesmente não acreditava no que estava acontecendo. Era pecado, padre, eu sei. Mas foi por isso que eu vim me confessar. Sempre me arrependo dos meus pecados, mas desse não dá, padre, este vai ser o pecado do qual eu vou me lembrar para o resto da minha vida. Elas me tiraram a virgindade outra vez, padre! Eu tirei a sorte grande, padre! A sorte grande, logo na primeira vez! Elas eram dois lindos anjos do inferno que vieram me abençoar com a Luxúria!!!
- Mas você poderia ter se queimado com elas! Isso não se faz, meu filho! Você é um menino inocente, de boa família, não deve se render a tais tentações. Isso não é para vc. Voce acha que foi abençoado, mas se pensa que terá a mesma "sorte" outro dia, está enganado! O diabo tem muitos disfarces, Guilherme. A sorte e as mulheres foram alguns deles!
- Sim, eu sei padre. Isso não é para mim, tanto que depois que eu estava a ponto de bala elas me deixaram falando sozinho, foram embora juntas. Não tem problema, só de ter feito aquilo já me basta. Qual é minha penitência, padre?
- Duas Ave-Marias. Uma para cada morena.
- Só isso? Menos que a cerveja?
- E mais a promessa de que você nunca mais irá aparecer por lá.
- Pode deixar, padre, foi só desta vez. Eu já vou indo. Obrigado, padre!
- Que Deus te acompanhe, meu filho...
...
- Pedro? Pedro, você ainda está aí na sacristia?
- Sim, padre? O que foi?
- Já descobri quem foi o idiota que estava com aquelas duas no dark room atrapalhando a gente na Lôca...

No comments: